A necessidade de alvará judicial para aquisição de bem por menor relativamente incapaz

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No passado era bastante comum a lavratura de escrituras pelos pais, adquirindo bens imóveis no nome de seus filhos menores, sem necessidade de prévia autorização judicial, pois se tinha o entendimento de que o referido artigo 1.691 (art. 386 do CC/16) vedaria tão somente a alienação dos bens do menor, isto é, a transferência do imóvel por venda, troca ou doação, excluídos os atos de aquisição.

Porém, atualmente este não tem sido o posicionamento da jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura Paulista que vem entendendo que a compra de um imóvel mediante o uso de numerário pertencente ao menor de idade configura obrigação contraída que ultrapassaria os limites da simples administração, devendo ser aplicado o art. 1.691, vide Apelações Cíveis nº 0009498-73.2014.8.26.0344, nº 0072005-60.2013.8.26.0100 e nº 0007371-65.2014.8.26.0344.

Dessa forma, o Conselho Superior firmou posicionamento no sentido de que é requisito para a lavratura destes atos, sem a necessidade do alvará, constar expressamente na escritura pública que a aquisição do bem se deu exclusivamente com recursos doados pelos genitores no momento da prática do ato, inclusive com a fiscalização do recolhimento do imposto sobre a doação (ITCMD), sob responsabilidade do tabelião cometer ilícito administrativo (Proc. 2013/9632 da CGJ/SP).

O Registrador deverá estar atento de que não é possível o registro de escritura pública de compra e venda de imóvel adquirido por menor incapaz, quando desconhecida a origem dos recursos, sendo necessário alvará judicial. 

Por oportuno, cabe destacar, a explanação do doutrinador gaúcho Lamana Paiva, no site do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, que assim arrazoou acerca do tema proposto, vejamos:

“Cumpre observar que há duas hipóteses a serem analisadas envolvendo a aquisição do direito real de propriedade de bem imóvel por parte de menor absoluta ou relativamente incapaz: quando a aquisição se dá com recursos próprios do menor ou quando se dá com recursos oriundos de doação em dinheiro a ele feita para a compra. Isso porque, na primeira hipótese, está se falando em simples compra e venda de imóvel e da conversão de patrimônio próprio do menor em bem imóvel. Na segunda, por outro lado, além da aquisição há uma anterior doação de dinheiro, sobre a qual recai imposto de transmissão.
Assim, caso a aquisição tenha ocorrido mediante utilização de recursos próprios do menor, a teor do disposto nos artigos 1.689, I e 1.691 do Código Civil Brasileiro – CCB, há que ser apresentado alvará de autorização judicial para a formalização do ato de transmissão.
Entretanto, se a aquisição ocorreu mediante utilização de valores doados ao menor, esse fato deverá ser certificado no ato notarial a fim de elidir a exigência da apresentação do alvará de autorização. Nesse caso também, salvo melhor juízo, embora não seja obrigatório, é salutar que o Notário faça menção à quitação do imposto de transmissão relativo à doação em dinheiro feita ao menor (vide Decreto Estadual n.º 33.156/89 – Regulamento do ITCD – RS ), haja vista o teor do artigo 289 da LRP.
Finalmente, ressaltando que este Colégio já se manifestou sobre o tema na CONSULTA 065/2016, envio no anexo as seguintes jurisprudências sobre o tema:
Acórdão – DJ nº 9000001-86.2014.8.26.0470 – Apelação Cível – TJSP
Acórdão em sede de Agravo de Instrumento nº 70066959263 da 9ª Câmara Civel – TJRS
Acórdão em sede de Apelação Cível nº 70061867941 da 9ª Câmara Civel – TJRS
Sentença do processo n.º 001/1.16.0035071-3 – Vara dos Registros Públicos de POA
Sentença do processo n.º 001/1.16.0033369-0 – Vara dos Registros Públicos de POA”



No que se refere ao Estado do Maranhão, cito:

Inicialmente, observo que o art. 1.691 do Código Civil tem clareza solar ao dispor que "não podem os pais alienar (...) os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização judicial".
Assim, a alienação do imóvel pertencente aos filhos somente pode ocorrer se comprovada a situação de necessidade ou se ficar evidente o interesse da criança ou do adolescente sujeito ao poder familiar (...) (Proc. nº 242-26.2012.8.10.01171 Cível | Alvará Judicial)


Ressalta-se que haverá a necessidade da nomeação de um curador especial sempre que houver conflito de interesse dos pais com o filho, como nos casos em que os pais figuram como vendedores e o filho como comprador (art. 1.692 do CC/02).

CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor relativamente incapaz – Omissão quanto à origem dos recursos – Presunção de que o numerário destinado ao pagamento do preço pertencia ao menor – Necessidade de alvará judicial – Previsão legal (código civil, art. 1.691) e normativa (capítulo XIV, item 41, “e”, das NSCGJ) destinadas a assegurar a verificação do interesse do menor – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000001-86.2014.8.26.0470, da Comarca de Porangaba, em que é apelante NATÁLIA DE ARRUDA NAVARRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PORANGABA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 25 de novembro de 2015.
JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n.° 9000001-86.2014.8.26.0470.
Apelante: Natália de Arruda Navarro.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Porangaba.
VOTO N° 29.050
Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor relativamente incapaz – Omissão quanto à origem dos recursos – Presunção de que o numerário destinado ao pagamento do preço pertencia ao menor – Necessidade de alvará judicial – Previsão legal (código civil, art. 1.691) e normativa (capítulo XIV, item 41, “e”, das NSCGJ) destinadas a assegurar a verificação do interesse do menor – Recurso não provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Porangaba, que julgou procedente a dúvida suscitada e recusou o registro da escritura de compra e venda na qual um dos adquirentes é menor de idade, sob o fundamento de que em razão da aquisição do imóvel em nome do menor, há necessidade de indicar a origem do recurso empregado, se próprio ou decorrente de doação, e apresentar alvará judicial ou recolher o ITCMD, conforme o caso, nos termos do item 41, “e”, do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e artigo 1.691 do Código Civil.
A apelante afirma que na data da aquisição do bem faltavam poucos dias para o comprador André Arruda Navarro completar 18 (dezoito) anos, além de estar assistido por sua mãe. Diz que o bem foi comprado com recurso próprio do menor, que é sócio de uma empresa comercial e tem capacidade econômica para tanto, e que o alvará é necessário na hipótese de venda de bem do menor e não no caso de compra.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O apelo não comporta acolhida.
Verifica-se, da análise da escritura de compra e venda, que o imóvel foi vendido ao menor e à apelante em igual proporção, pelo preço de R$ 155.000,00 (cento e cinquenta e cinco mil reais) e mediante pagamento integral do preço em moeda corrente, sem menção alguma quanto à origem do numerário.
À mingua de expressa menção da origem da quantia paga aos vendedores, presume-se que o pagamento ocorreu mediante uso de numerário pertencente aos compradores, no caso, do menor impúbere, o que foi confirmado nas razões do recurso interposto.
Dispõe o artigo 1.691, “caput”, do Código Civil:
“Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.”
Não há dúvida de que a compra de um imóvel mediante uso de numerário pertencente ao menor de idade configura obrigação contraída que ultrapassa o limite da simples administração, o que reclama autorização judicial. Além disso, a aquisição de um bem não é sinônimo de benefício, pois, é preciso verificar a lisura do negócio, se o preço corresponde ao real valor de mercado, se não recai nenhum ônus sobre o imóvel, e outros aspectos que visam atender a finalidade da norma legal ora analisada, qual seja, de impedir que eventual má administração pelos pais, dos bens de seus filhos, impliquem na assunção de obrigações que possam causar prejuízos a estes, de maneira que há necessidade de comprovar o interesse do incapaz na aquisição do bem, para que o alvará seja expedido.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no Capítulo XIV, item 41, alínea “e”, do mesmo modo e em consonância com o dispositivo legal mencionado, exige a expedição de alvará para a lavratura de escritura pública na qual menor de idade figure como comprador ou vendedor:
“41. O Tabelião de Notas, antes da lavratura de quaisquer atos, deve:
e) exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependem de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos, sendo que, para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária”.
Em caso análogo e que bem se aplica ao ora analisado – Apelação Cível n.º 0072005-60.2013.8.26.0100 – julgada em 07/10/2014 pelo Conselho Superior da Magistratura, foi decidido no mesmo sentido. A ementa é a seguinte:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – AQUISIÇÃO DE BEM POR MENOR INCAPAZ – ORIGEM DESCONHECIDA DOS RECURSOS – NECESSIDADE DE ALVARÁ JUDICIAL – VERIFICAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL, DA EFETIVA PROTEÇÃO DO INTERESSE DO MENOR – MENOR REPRESENTADO APENAS PELO PAI, SEM JUSTIFICATIVA PARA AUSÊNCIA DA MÃE NA ESCRITURA – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO – RECURSO PROVIDO.”
Nesse julgado fiz menção ao seguinte precedente jurisdicional (Agravo de Instrumento n.º 152.031.4-0 – Rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves) que bem demonstra as razões pelas quais é pertinente exigir alvará judicial nestes casos:
“Em se tratando de operação de venda e compra, por menor, absolutamente incapaz, com numerário próprio, representado por sua mãe, de rigor, para prevenir possível prejuízo, seja o bem imóvel, a ser adquirido, avaliado, por perito nomeado pelo Juízo.
Não basta, ao contrário do entendimento da MM. juíza ‘a quo’, embora louvável sua preocupação com os gastos com a perícia, a serem suportado pela própria menor, ora agravada, a juntada de avaliações, simples e sucintas, elaboradas por 03 (três) imobiliárias distintas, apresentadas por sua representante.
Tais avaliações, ainda que não se discuta a idoneidade das empresas que as realizaram, em razão de solicitadas por pessoa diretamente interessada na transação não substituem, para o fim, a que se destinam – compra de imóvel com numerário pertencente a menor, cujos interesses devem ser acima de tudo protegidos, a avaliação por perito judicial.
Impõe-se, na espécie, para a proteção e segurança do patrimônio da menor, ora agravada, total controle e pleno conhecimento, pelo Juízo e pelo Ministério Público, órgãos incumbidos pelo Estado de zelar pelos interesses dos incapazes, de todas as circunstâncias e pormenores do negócio, principalmente, o valor de mercado do imóvel.
Em assim sendo, imprescindível a avaliação judicial, por perito especializado, com descrição pormenorizada do imóvel e do local onde se situa, e, com indicação fundamentada de seu real valor de mercado.”
Correta, portanto, a recusa do Oficial, que, ao qualificar o título, tem o dever de “proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição). O exame da legalidade consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.
Observo, por fim, que André, na data da celebração do negócio e da lavratura da escritura pública de compra e venda, não havia completado 18 (dezoito) anos, portanto, ainda que poucos dias faltassem para tanto, ele era menor de idade.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 16.03.2016 – SP)

FONTE: 



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